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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Ortografia


A grafia correta, ao contrário da semântica e da sintaxe, pode ser regulada por lei. Mas deveria?
Um dos argumentos anti-reforma, o de que ela não ataca diferenças de semântica e sintaxe, lembra o do capitão que negligencia a manutenção do navio por não poder controlar o oceano
A palavra ortografia vem do grego orthós + grápho, isto é, o modo correto de escrever. Quem determina que modo é esse sempre foi uma questão polêmica. Na tradição luso-brasileira o papel tem sido desempenhado por legisladores, respaldados por comissões de sábios. É o que ocorre mais uma vez na atual reforma ortográfica.
Um dos argumentos mais correntes contra o acordo – o de que ele é condenável por mexer apenas no modo de escrever as palavras, deixando de lado as divergências sintáticas e semânticas entre Brasil e Portugal – lembra a desculpa do capitão que negligencia a manutenção de seu navio porque não pode controlar o oceano. A não ser nos delírios de ditadores caricatos, o poder dos governantes sobre sintaxe e semântica é zero. Não há o que eles possam fazer. Sobre a ortografia, verniz da língua, há.
Se deveriam se meter nessa seara é outro debate. Na definição da ortografia, o poeta português Fernando Pessoa preferia o método da lenta decantação cultural ao das canetadas legislativas, o que o levou a se insurgir contra uma das reformas de espírito "simplificador" pelas quais o português passou. Em suas palavras, "um acto que, à parte ser desnecessário, ou, pelo menos, não urgente, foi abrir uma cisão cultural entre nós e o Brasil".
É justamente essa cisão, que resistiu a outros decretos ortográficos desde Pessoa, que o acordo – decepcionante sob certos aspectos, como costuma ocorrer com o fruto do trabalho de comissões – procura combater. O abismo cultural não sumirá por milagre, mas a parte dele que corresponde ao modo de grafar vocábulos ficará reduzida a alguns casos de dupla grafia – nada muito diferente do que ocorre no inglês. Os portugueses aboliram o trema em 1946. Nós o aboliremos agora. É pouco, mas é um sinal de aproximação onde vinha prevalecendo o distanciamento.



Sérgio Rodrigues, escritor e jornalista.
Fonte : Revista Carta Capital.

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